terça-feira, 31 de maio de 2011

Encanteria

Encanteria é um culto fetichista observado no Piauí, semelhante à pajelança amazônica. A entidade que se manifesta - espírito humano ou animal - é chamado moço, e cada uma tem seu canto (doutrina) especial.

Segundo o folclorista Câmara Cascudo é uma espécie  de pajelança no Piauí: "Conheço apenas a informação de José Olimpo de Melo (Teresina), que assistiu a uma sessão de encanteria a 17/05/1938, dirigida pelo pai-de-terreiro Gonçalo José de Barros", diz.

E continua: "Num salão amplo, há num canto o alô (oratório), pequena mesa com toalha branca, tendo as estampas de Santa Bárbara (a Virgem), Nossa Senhora do Monte Serrat e uma pombinha de metal, representando o Espirito Santo. Numa garrafa há um líquido de cheiro agradável, que serve para friccionar braços e cabeça dos indivíduos em transe. Há uma forquilha central (guna), em cuja a base fica uma laje com velas acesas. A sessão durou das 19:50 às 24 horas."

"Cantam em uníssono, dia do alô, a quadra: "Pede, pede, pecador/ pede de joelhos / Vem rezar este padre nosso / Vem rezar pela Mãe de Deus." Repetem doze vezes, substituindo o um do terceiro verso pelo número imediato. Depois, o pai-de-santo, acompanhado de todos, ficou no meio da sala, dançando ao redor da Guna. O pai-de-santo chama-se Gonçalo Civiliano (Silvano), informa não ser macumba nem espiritismo e sim encanteria. O movimento, da direita para a esquerda, em círculo, com o pai-de-santo no centro, era coletivo, e cada figurante girava sobre si mesmo. Cada doutrina (estrofe, canto) possui solfa especial."

"Provoca-se desta forma a manifestação do moço, espírito humano ou animal, existindo uma doutrina privativa de cada moço. O pai-de-santo entoa o primeiro verso, até que algum moço se aposse do aparelho e este cante sua doutrina, dançando e atuando."

"Na fase de possessão, a devota aproxima-se da Guna, deixando a roda onde a cantiga ficou mais acelerada e viva. Incensa-se a sala para afastar os espíritos maus e abrandar os fortes e turbulentos, como os do leão e do touro, mais assíduos nas manifestações. O pai-de-santo dirigiu-se ao alô, onde um iniciado, paramentado de vermelho e azul, com colares variegados, predominando o amarelo-ouro, curvou-se sobre a mesa e cantou, curvado, sendo acompanhado pelos ouvintes. Manifestou-se o espírito do caboclo, um dos mais fortes. O aparelho, dançando e contorcendo-se, agarrou-se à Guna (forquilha central). Recomeçaram os cantos e as danças."

"Findou a cerimônia com rezas cantadas ao pé do alô. Nesse terreiro manifestam-se o touro, o caboclo, o leão que, por vezes, atua com tal violência que o aparelho fica prostrado durante vários dias. Algumas doutrinas:

Ô ilta, companheira, ilta,
Ô ilta, vamos trabalhar
É lá no mar...
Quem passa tem canoa,
Passarim avoa,
Passo voador
É lá no mar.

Outra:
Eu venho de Passagem Franca
Lavandeira não deixou eu passar
Eu passo, lavandeira,
Eu passo,
Eu passo, lavandeira,
Eu passo... (coro).

Outra:
Eu sou reis tubarão,
Um homem só não me aguenta!
(coro) Eu sou reis tubarão,
Tubarão, Tubarão!

Outra:
No romper da madrugada,
Lá no mar deu-se o sinal;
Eu sou caboclo velho índio,
Sou da linha secular.
(coro) Ô, minha mãe, ô minha mãe,
Precisando, mande me chamar!
Eu sou irmão do Salvador,
Eu sou da linha secular.

Outra:
Mas que força é esta
Que do mar chegou? (bis)
Foi o légua [Legba?] que nesta eira entrou?
Dan-din, dan-dô
Ô diga a légua que chegou!
(repetidas muitas vezes)

Outra:
Venho d’aldeia (bis)
Venho d’aldeia, caboclo,
Venho d’aldeia...
Tu não bambeia, tu não bambeia,
Tu não bembeia, caboclo,
Tu não bambeia!...

Outra:
Cação do mar chegou,
Pra atuar..
Ora viva meu mestre,
Meu chefe e rei do mar!

Outra:
Eu caboclo Mariano,
Quem manda na linha sou eu;
Ô na morada do caboclo,
Só se vê encanteira,
Ô lá se vem os caboclo
Da serraria...

Outra:
Eu sou tombo, tombo,
Eu sou tombador...
(coro) Venho da Casa de Mina,
Vou pra casa de Nagô.

Boto, boto, boto do mar,
Eu venho brincar
Ao som da maracá!"

Fontes: Jangada Brasil in "CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro"; Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora.

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