sábado, 30 de julho de 2011

Modinha

A modinha é uma canção lírica, sentimental, derivada da moda portuguesa. Nos fins do século XVIII, em Portugal, a palavra moda tomou sentido genérico e com ela se designavam árias, cantigas ou romances de salão.

A voga que essa música vocal de salão adquiriu no reinado de Maria I se traduziu no trocadilho que se tornou de uso comum entre cronistas da época, “era moda, na corte de Maria I, cantar a moda”, cujos autores eram músicos de escola formados na Itália: João de Sousa Carvalho, Leal Moreira e Marcos Portugal

Quebrando o formalismo dessas modas cortesãs, surgiu nos serenins dos palácios de Bemposta, de Belém ou de Queluz, Portugal, a figura do brasileiro Domingos Caldas Barbosa (?1740—1800), poeta e tocador de viola. Protegido dos marqueses de Castelo Melhor, Caldas Barbosa, o Lereno da Nova Arcádia, sofreu a reação violenta dos poetas e escritores portugueses da época, principalmente Bocage, Filinto Elísio e Antônio Ribeiro dos Santos, que chegou a considerar sua presença como indício da dissolução dos costumes da corte portuguesa.


Domingos Caldas Barbosa deixou o Brasil em 1770. Só cinco anos depois, já investido de ordens menores, apareceram suas primeiras obras e por elas se verifica que o padre mulato, cobrindo-se com a batina para disfarçar o fator adverso da cor, não se deixou atingir pelos apodos virulentos dos seus rivais. Músico sem conhecer música, cantor sem haver estudado canto, Caldas Barbosa substituiu o cravo e o pianoforte pela viola de arame e com ela granjeou a simpatia dos áulicos e das açafatas da rainha.

Não se conhecem documentos que atestem a existência da modinha antes da apresentação de Caldas nos saraus lisboetas de 1775. Historiadores brasileiros mencionam os nomes de Gregório de Matos (1633—1696), Antônio José da Silva, o judeu (1705—1739) e Tomás Antônio Gonzaga (1744—?1808) como precursores da modinha. A documentação pesquisada não confirma a suposição desses historiadores.

O próprio Caldas Barbosa, evitando a designação de moda, usada pelos compositores eruditos, intitulou de cantigas as canções enfeixadas no seu Viola de Lereno: coleção das suas cantigas, oferecidas aos seus amigos (volume 1: Oficina Nunesiana, Lisboa, 1798; volume II: Tipografia Lacerdina, Lisboa, 1826). No texto de uma dessas cantigas, refere-se às suas modas, palavra que, por modéstia ou humildade, preferiu usar no diminutivo modinhas, criando assim o gênero poético-musical que iria converter-se na “mais rica das formas por que se manifesta a inspiração poética do nosso povo” (José Veríssimo).

É numerosa a bibliografia dos fins de setecentos e começos de oitocentos relativa à modinha, e nela é manifesta a primazia que escritores e viajantes dão à modinha brasileira, em confronto com a modinha portuguesa. O depoimento de William Beckford (1760—1844), datado de 1787, não deixa dúvida quanto à prioridade da modinha brasileira sobre a portuguesa. Teófilo Braga não hesita em afirmar a procedência brasileira da modinha.

Já a documentação musicográfica sofre a contingência de não ter tido o Brasil uma imprensa que documentasse a produção musical da época. Os mais antigos documentos saíram das oficinas e tipografias de Lisboa e Coimbra. Merece menção o Jornal / de / Modinhas / com acompanhamento de cravo / pelos melhores autores / dedicado / A Sua Alteza Real / Princesa do Brasil / por P. A. Marchal Milcent / no primeiro dia e no quinze de cada mez, sairá / uma modinha nova / Preço 200 Rs / Lisboa. Esse jornal foi editado a partir de 1792 e nele aparecem modinhas de Caldas Barbosa, cujo sucesso se refletiu no Brasil nas modinhas de Joaquim Manuel, outro mestiço brasileiro que teve a honra de ser editado em Paris, em 1824, num álbum de vinte modinhas harmonizadas por Sigismund Neukomm, o discípulo preferido de Joseph Haydn (1732—1809) que morou no Rio de Janeiro de 1816 a 1821.

Embora cultivada em Lisboa como música da aristocracia, foi no Brasil que a modinha se enraizou. Floresceu no I Reinado na obra de Cândido Inácio da Silva, Gabriel Fernandes da Trindade, padre José Maurício Nunes Garcia, padre Teles, Leal e outros. No II Reinado, a produção modinheira se enriqueceu com poemas dos melhores poetas, como Gonçalves Dias, Castro Alves, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, Casimiro de Abreu.

Musicalmente, porém, as edições brasileiras de então traziam o nome de compositores estrangeiros, que, atrelados ao estilo e ao gosto da ária da ópera italiana, não afinavam com o caráter nacional que a modinha já adquirira. Só nos fins do Império e começos da República, a modinha, já inteiramente aculturada, reflete a sensibilidade e o gosto do povo brasileiro.

A modinha se populariza. Deixa o recinto fechado dos salões e se expande nas ruas, ao relento, nas noites enluaradas, envolta nos acordes do instrumento que, no Brasil, se tornou o seu companheiro inseparável — o violão. É a fase em que pontificam Laurindo Rabelo, Xisto Bahia, Melo Morais Filho, Catulo da Paixão Cearense.

Fonte: Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora e Publifolha - 2a. Edição - São Paulo - 1998.

2 comentários:

  1. Excelente matéria. Tenho um caderno, que foi de
    uma tia-avó, com muitas letras, manuscritas, das quais sei a melodia, porque ouvia meu pai cantando.
    Considero-as modinhas. há dias estive aqui e vi
    que a letra postada da Nau Catarineta, é a mesma
    que meu pai cantava. Pretendo fazer algumas postagens em meu blog - Da Cadeirinha de Arruar- divulgando as modinhas que meu pai mais gostava de cantar. Já fiz uma série, com as canções que minha mãe mais gostava de cantar.
    Utilizarei algumas fotos postadas em seu blog,mas farei as devidas referências.
    Um abraço
    Lúcia

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